segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Histórias mal-assombradas na Livraria Ambulante

Semana passada vivi uma situação inédita na Livraria Ambulante. No último dia do projeto em uma escola paulistana, uma senhora entra acompanhando um aluno e em tom de voz alterado vem reclamar a troca de um livro que o menino havia escolhido e comprado no dia anterior. Alegação: o livro não é para crianças! A senhora (avó ou tia do aluno) nos relatou que a mãe do jovem leitor havia brigado com o filho e exigido que ele devolvesse o livro. Confesso que o sangue me subiu à cabeça e tive que me controlar para não revidar o ataque de fúria e ignorância da senhora à minha frente. O livro tão ferozmente condenado, “Histórias Mal-Assombradas em Volta do Fogão de Lenha” (autor: Adriano Messias; editora Biruta), faz parte de uma série que procura resgatar lendas e mitos da cultura popular brasileira. As histórias são transmitidas através do encontro de André, um menino de 9 anos, personagem central dos livros, com diversos narradores: o avô mineiro, uma descendente de escravos, um índio... Procurei em vão explicar o conteúdo do livro condenado, defender a escolha do tímido leitor de 10 anos que apenas cometeu o crime de querer um livro de “terror”, de “medo” para assim poder de alguma forma confrontar seus próprios medos e monstros. Mãe e avó não chegaram nem a tomar consciência do conteúdo do livro, mas apenas da contracapa, onde o diabinho encolhido na garrafa se destacava do fundo preto. Cruz-credo, um livro para crianças com o mal estampado na contracapa!!!!! Sai Satanás! Censura dos anos 2000: não é política, não é ideológica, é religiosa. Sem alternativa, ajudei meio de má vontade a achar um livro adequado para crianças que substituísse o do “demo”e vi o pobre jovem leitor levar para casa, a contragosto, um livro sobre um time de futebol. Na minha alma ficou uma sensação de revolta e tristeza por ver mais uma sabotagem do encontro precioso do leitor com seu livro, e por ter vivido o ataque sem fundamento a uma obra literária escrita e editada com tanto cuidado e dedicação. Ao mesmo tempo tomei a decisão de sugerir à direção da escola que incorpore a série de “Histórias Mal-Assombradas” ao acervo da biblioteca para dar talvez mais uma chance deste e de outros tantos alunos descobrirem uma leitura apaixonante.

2 comentários:

Anônimo disse...

É uma PENA que certos peis e avós não ajudem de fato suas crinaças...
Shame on them!

É triste Patrícia, mas não se pode fazer nada, só torcer para que um dia este menino possa ler aquilo que lhe interessar em paz.

Anônimo disse...

Nossa,parece que essa cena foi a famosa encenação da frase "não julgue um livro pela capa". É impressionante como ainda existem pessoas que tentam abortar a imaginação das crianças. E é uma pena que esse menino tenha sido privado de conhecer as "assustadoras" histórias da cultura/folclore nacionais. Ainda bem que quando eu era criança não tive essa censura e pude ter muito medo de bruxas, fantasmas, sacis, cucas, etc.
Paty, parabéns pela Livraria Ambulante é um belo trabalho o que vocês fazem.